A História começou em uma quinta-feira. E começou assim, com H mesmo, sem modéstia. Mas ninguém percebeu na hora. Agora, dois dias depois então era que quase ninguém mesmo estava prestando atenção, agora que era notícia velha, se a História tinha começado mesmo era possível que isso nem fosse notado, ao menos não ainda, não tão cedo. Essas coisas desenrolam-se de tal maneira que muito raramente são percebidas pelas pessoas enquanto vivem. O tempo tinha passado e a vitrola dava graças à vida, falando de coisas tristes e coisas bonitas como se nada tivesse acontecido dois dias antes. No intervalo entre um lado e o outro do disco, a Jovem subiu no caixote da praça, limpou a garganta e pediu licença para cantar sobre o começo da História e contar sobre um anoitecer na vida do Velho.
O velho foi até a janela enquanto empurrava delicadamente com o dedão para dentro do cachimbo as flores que havia plantado em seu jardim, colhido e curado com cuidado e paciência até que ficassem grudentas, prendeu o bocal entre os dentes, tirou do bolso do paletó uma caixa de fósforos, riscou fazendo um estampido seco e aproximou rapidamente o palito crepitando do bojo protegendo a labareda com a mão que segurava a caixinha, puxou e soprou levemente a fumaça algumas vezes enchendo e esvaziando as bochechas e viu a brasa do cachimbo brilhar enquanto inclinava-se um pouco no peitoril e via lá no fundo a fumaça da fábrica. Segurou um pouco a fumaça no peito como não deveria e tossiu forte duas vezes, sentiu uma tontura e procurou a cadeira. Tinha tido uns dias ruins, a saúde não andava bem e as notícias que chegavam de todas as partes do mundo não faziam senão piorar os humores nas suas entranhas, sentia muita dor o tempo todo e chorava de tristeza quase todos os domingos, queria reclamar de tudo e tinha um manifesto para o futuro bem escrito em sua mente, mas se antes vertiam rios caudalosos e sinuosos de certezas da sua caneta aos borbotões agora a tinta secava e entupia o rego da pena em sua mão antes que qualquer palavra pudesse escorrer de dentro dela. Recostou na cadeira e colocou os pés sobre o mocho, um e depois o outro. O encosto da cadeira reclinou um pouco, e o velho tragou o cachimbo bem fundo, mas agora devagar e cuidadosamente, prendeu a fumaça só um pouco e prensou entre os lábios um jato fino que primeiro saiu reto com a força dos seus pulmões, depois foi vencido pelas forças invisíveis no ar e misturou-se em torvelinhos iluminados por um feixe da luz do começo do fim da tarde de sábado, projetava-se na parede e na estante com o retângulo da janela, iluminando entre os livros aquele que ele escreveu, que entre os outros tantos lhe pareceu belo, mas ordinário. Aquela era a hora em que ele mais amava estar ali e ele estava totalmente relaxado, olhou para a janela e para a estante de livros, olhou para o seu próprio corpo e olhou para a folha de papel em branco sobre a escrivaninha. Colocou os pés no chão e girou a cadeira, limpou e molhou a pena, tirou o excesso da ponta na borda do tinteiro e escreveu com uma caligrafia magnífica: A História começou anteontem. Tirou apenas o brilho úmido da tinta no papel com o mata-borrão porque queria que ela terminasse de secar com a brisa, foi até a janela e respirou fundo e aliviado, tinha terminado sua tarefa, descobriu tudo e conseguiu explicar, e agora todas as pessoas do mundo poderiam entender. Caminhou e sentou-se de novo na cadeira, pegou novamente o cachimbo e tragou muito mais profundamente. Prendeu a fumaça dentro de si por muito tempo até que a dor cessou, uma lágrima brilhante de alegria genuína desceu pelo seu rosto mesmo que ainda não fosse a manhã de domingo, colocou em um só movimento ágil os dois pés sobre o mocho, tossiu mais uma vez, dessa vez uma tosse grave e curta, recostou-se na cadeira como se mergulhasse da borda de um barco com um cilindro pesado nas costas para respirar, e morreu.
A fumaça volátil dispersou-se. Parte aderiu às paredes. Parte impregnou-se nos livros e discos e ao casaco do velho sendo mais tarde consumida pelas chamas e pelo tempo. Parte voou dali pela janela e espalhou-se pelo mundo naquela hora mesmo enquanto ele jazia. Mais tarde naquela noite os abutres vieram cobiçar o corpo do Professor, mas ele já não estava mais lá. Sussurraram maldosamente que a História, que até ontem eles nem sabiam que havia nascido, muito menos em que dia, tinha morrido jovem com o velho. Mas eles respiravam a História e o velho e nem sabiam. O velho já vivia e seguiria vivendo em todas as coisas e a História continuava como em todos os dias da semana apenas começando, o morto já vivia no novo todo, como se vivesse desde sempre. Foi assim que depois de morto o velho entendeu de verdade que não tinha entendido nada sobre letras maiúsculas e calendários, percebeu a semelhança provável da verdade e ficou alegre. Agora ele era nuvem e mar, viajava e chovia. Não era mais apenas velho, mas também não tinha nada de somente novo, e estava se tornando muito mais fácil entender. Era evidente! Anteontem uma pinóia, era muito tempo e o velho só entendeu depois de morrer. Ele é que havia nascido anteontem e morrido ontem, então antes podia haver alguma coisa que começava como um raio de luz e terminava com a escuridão, mas era claro o tempo todo e em todo lugar até o horizonte, como no fundo, tudo apenas espiralava enquanto existia. Era claro o tempo todo! Mesmo quando tudo era escuro, isso não causava nada, já que tudo se movia, ia e vinha em todo lugar o tempo todo, portanto a História jamais poderia ter começado apenas aqui. Como a lâmina de um jato liso e cortante soprado com força ou em turbilhões misturando-se ao vento, tudo se movia, o velho todo fluía no novo e tudo apenas continuava. Agora é simples assim a vida do velho. Vê o mundo a partir de todos os lugares e tempos, porque tem a medida e a idade do mundo, nasce de novo em todas as manhãs, chora sempre que respira bem o ar mais uma vez e também quando sente a dor e a beleza nas entranhas encarnadas da mente, move-se com justiça e sabedoria em busca de uma melhor mistura quanto pode e no mais é levado pelas correntes e pelo vento, ondula mesclado a um universo em que nada se repete e tudo o que acontece é sempre o que é mais provável, cria ondas extensas no espaço em que navega e é levado pelas paixões tristes quando se esquece, ama a busca pela semelhança da verdade e mesmo assim olha sempre a luz dourada do cair da tarde, o rio, o igarapé, a rocha, o vento, o pássaro e a silhueta da fábrica no horizonte enquanto olha para si, nomeia o espetáculo que lhe atravessa por todos os sentidos de nascer e pôr do sol, e assiste deslumbrado ao continuo começo da História com um cachimbo na mão como se não soubesse de nada, mas agora era muito tarde. A jovem que vê do futuro aprendia enquanto cantava, enquanto o disco virava espalhava alto na praça somente o que já sabia.









