Em um instante do movimento, as milhares de civilizações sábias de Laniakea cantaram e dançaram por aquelas que haviam se calado muito cedo, sem nunca ter aprendido a ouvir às vozes antigas e nem à sua própria voz, e sem saber que eram parte de uma mesma longa sinfonia. Sabiam que uma voz não cantava para sempre, que a canção do universo era sempre ao mesmo tempo alegria e tristeza, que seguia harmônica mesmo quando dissonante e em seu ritmo cada vez mais vibrante mesmo que sua cadência variasse, mas aquele instante se arrastava, em toda a canção se sobrepunham notas mais graves e profundas e agudos mais dissonantes, e todas as vozes que se alternavam em coros ouviam e entendiam as palavras e choravam, porque uma parte delas tinha virado ecos na poeira antes que suas vozes chegassem a brilhar em seus tons mais coloridos.
Aquele instante começava retumbante como um tímpano e seguia num crescendo, a música se iluminava e se expandia, ficava mais transparente, se tornava mais complexa e crepitava, e em suas fases mais dramáticas abruptamente esmaecia, reduzia-se a solfejos doces e nostálgicos, mas como no fundo a expansão continuava, de novo mais vozes se juntavam e a mesma música, que agora até já parecia outra, de repente se acendia, ficava verde e depois colorida, os acordes rastejavam, nadavam, voavam e corriam, a música dançava. As vozes antigas se abraçavam, riam e choravam, os passos de sua música também foram dançados em meio a vulcões e meteoros, infernos de fogo e glaciações, pestes, fomes e guerras, então também cantavam jubilosos como mesmo em tons desequilibrados aquelas vozes tênues que agora eram apenas ecos, ruídos e silêncio conseguiam fluir e refluir como a água, e em alguns dos caminhos ao escutar umas nas outras e também nas cores do movimento até cantaram e reconheceram em um breve interlúdio poético acordes da música do universo. Mas é preciso todo um planeta para reconhecer a sinfonia enquanto performa esta dança.
De repente os tons se tornam lúgubres e o instante mais arrastado, o som tem cheiro de incenso e ervas do mato e o gosto metálico de água gelada de cachoeira, as vozes vivas de Laniakea entoam acordes na luta para que a tristeza não se torne melancolia. Uma a uma, as vozes que agora só ressoam como memória do espaço e do tempo são lembradas e reverberam, todas as que sucumbiram a forças que não podiam controlar. Não há lápides para as civilizações, a canção as eterniza apenas no conhecimento da cadência de seus espectros, entre sinais e ruídos. Mas se houvesse, algumas notas mais tristes deste instante triste da canção do universo cantariam uma lápide de rocha calcinada, um pálido ponto carbonizado em um sistema planetário, em um braço ermo de galáxia nos domínios de Laniakea, de uma civilização que quando estava mais perto de aprender o ritmo e a melodia de todas coisas embriagou-se de poder e imolou-se na fumaça de fogo e gelo. Como nada fica escrito nem mesmo na rocha, as vozes das civilizações não têm lápides, somente esta música. Mas se tivessem, esse lamento cósmico profundo da composição caótica estaria escrito como epitáfio em apenas uma frase, uma ode ao brilho disperso de seus cantos, aos ecos vivos das vozes caladas nesse mundo árido, congelado e fumegante, porque é também nas tristezas da sinfonia, mas não apenas nelas, que todo o universo aprende: Foi por ignorância, não por necessidade.









