Como uma forma de todas as cores que se move e sente

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Nature

Como uma forma de todas as cores que se move e sente

Onde nós nos movíamos tudo era muito claro e silencioso, e só o que nós sentíamos, ainda que não ouvíssemos e nem víssemos nada, era que tudo tinha cheiro e gosto, e que tudo também se movia. Sentíamos uma onda misturada, principalmente de curiosidade e medo. Tudo era muito branco, não como paredes brancas, mas como uma neblina que tocava o nosso olhar como se fosse parte dele e parte de nós e se estendia para sempre e para todos os lados com o brilho intenso de uma mistura de todas as cores, uma completa cegueira branca. Distante, começamos a entender baixinho um som conhecido que crescia e diminuía, com uma cadência lenta e repetida, um chiado profundo e irregular. O som vinha de todos os lados, mas como nós também nos movíamos ao mesmo tempo em todas as direções só havia um caminho a seguir, que era o do movimento.

Agora nós não estávamos mais tão desorientados pelo pavor, entendíamos para onde nos movíamos. Nós seguíamos em curvas o cheiro e o gosto do movimento, e o murmúrio ritmado em nós também crescia, diminuía e crescia mais. Primeiro nós exitamos e caminhamos lentamente, e depois corremos em direção ao ruído denso, ele vinha do mar. Digo que caminhamos e corremos porque nós sentíamos o som crescer, mas nós não tínhamos pernas, braços ou olhos, para cima e para baixo, para trás e para frente, para dentro e para fora, nós apenas existíamos, porque ao mesmo tempo nos movíamos e sentíamos. Naquela cegueira branca nós ainda sentíamos pouco, não víamos nada, não sentíamos o chão que pisávamos, mas agora nós ouvíamos até os nossos passos. À medida que acelerávamos, não sabíamos o quê sentíamos, se era o mundo que nos passava ou se éramos nós que o movíamos, antes, diante e dentro de nós. E ao mesmo tempo que vimos em uma miragem emergir ao nosso redor a linha do horizonte, sentimos a água molhar os pés que não tínhamos, e chegamos.

Nós ainda não tínhamos mãos, nem pés, mas agora víamos. E víamos que nos movíamos nadando, caminhando e voando na palma estendida da mão de uma velha negra com longos cabelos grisalhos, que nos sustentava sem nenhum esforço na altura do peito. Pelas lentes de uma luneta ela olhava para muito longe, tinha os pés firmes na rocha onde as ondas batiam, e as suas costas eram os rochedos de uma praia avermelhada que nós reconhecíamos. Quando nós miramos o mar azul esverdeado novamente já o víamos pela lente de uma luneta, e víamos o horizonte se movendo muito adiante de onde ele surgia. Quando nós desviamos o olhar da luneta e do horizonte e olhamos para dentro, percebemos que segurávamos na mão uma forma quase transparente que nada refletia e nada pesava, mas que tudo sentia, e em tudo se movia, não como uma esfera de cristal, mas uma forma que com tudo se misturava, por tudo era afetada e sobre tudo agia, e vimos que para dentro e para fora dela dela, tudo agora era uma onda de todas as cores, e que assim como nós com os pés firmes na rocha, o horizonte, o mar, a rocha mesma e tudo, tudo se movia, não como paredes brancas, mas como uma neblina, um ruído tanto silencioso quanto retumbante e profundo, mas que tudo se movia.

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